MUDANÇA: de dentro para fora ou vice-versa?
Não sei muito bem se por formação, convicção ou ambas sempre fui adepto teórico e prático dos princípios e das didácticas que informam o que usualmente se tem designado por flexibilidade curricular e diferenciação pedagógica. Só um currículo desenhado de forma aberta e valorizando todas as suas componentes, mesmo que centrado em conteúdos quando vistos enquanto aprendizagens significativas e funcionais, permite acções de diferenciação pedagógica e só estas consubstanciam a razão do princípio de flexibilidade curricular. As duas quando objectivadas de forma coerente e consequente realizam o respeito pela diversidade e potenciam a equidade nas aprendizagens.
Não importará entrar em grandes descrições teóricas. Não é esse o propósito deste texto. Sabemos dos, muitas vezes aparentes, antagonismos entre os que defendem e os que estão contra. Muitos dos que estão contra apelam mesmo aos seus anos de experiência em que acreditaram e quiçá praticaram. Mesmo que posteriormente assumam um descrédito aparente e sucessiva desvalorização de tais princípios teóricos e práticas consequentes que os podem materializar no dia-a-dia de cada sala de aula.
É cómodo não me preocupar com os que fundamentadamente argumentam a favor e tendo a não valorizar de forma negativa aqueles que com convicção e argumentos também fundamentados costumam entrincheirar-se em “locais” contrários. Por experiência são muitos destes últimos que conseguimos arregimentar de forma sólida para, sem facilitismos e com respeito pela diversidade, trabalharmos o currículo com equidade de forma a gerar aprendizagens. DIFERENCIANDO.
Na verdade os que me preocupam são os que de um ou de outro lado da trincheira se engalfinham (educativamente falando) de forma pouco fundamentada, eivada de lugares comuns (mais uma vez educativamente falando) e sem qualquer convicção estruturalmente consistente. Os que de uma forma ou de outra, num lugar ou noutro e de um momento para o outro se tornam, pelo alarde adesivo ou pelo silêncio aderente, ímpares na defesa de determinadas práticas. No fundo são estes que consecutivamente apresentam um sem número de ações e atitudes (tantas vezes contraditórias) que, passados estes anos, continuam a constituir um mistério que tem sido, pelo menos para mim, de difícil resolução.
Mistério que tanto pode ser determinado no dia a dia das práticas de sala de aula como das práticas legislativas e, logo por inerência das teorias que mais ou menos rebuscadas e (re)atualizadas (in)formam uma e/ou outra destas componentes.
Esta minha conversa requer um exemplo prático que, possivelmente, não chega a ser empírico mas que é ilustrativo de parte de tal mistério. Passados estes anos continua a constituir, para mim, um mistério como é possível a um professor passado o primeiro e, muitas vezes o segundo período (quer seja dos tais que defende ou dos tais que não defende) apelar à “flexibilidade curricular” e à “diferenciação pedagógica” enquanto medidas para “recuperar” ou “acompanhar” as aprendizagens de determinado aluno. Quem se lembra dos chamados “Planos de Recuperação” ou “Planos de Acompanhamento” para alunos com “dificuldades”?
Quem se lembrar, lembrar-se-á também que quase em todos eles, para não escrever abusivamente em todos eles, apareciam como “MEDIDAS” a desenvolver para ultrapassar as “tais dificuldades”: “flexibilidade curricular”, “diferenciação pedagógica” e “ensino individualizado”. Sempre me interroguei porque razões misteriosas um professor que não acreditava ou não praticava ou que dizia que acreditava mas que não praticava (por isto ou por aquilo) ou mesmo aqueles que diziam acreditar e praticar poderiam de um momento para o outro, com as mesmas condições, eleger tais expressões como “MEDIDAS” para iniciar toda uma “inovação”, “revolução” ou “mudança”, só direccionada a determinado aluno. Sim, sabemos que muitas vezes a justificação era: está na lei.
Quem se lembrar, lembrar-se-á também que muitos dos alunos a quem eram “aplicadas” estas e outras “MEDIDAS”, pese este “BENEFICIO”, eram retidos. Muitos outros não eram retidos mas, mais tarde ou mais cedo, encaminhados para a denominada educação especial. A estes eram aplicadas outras “MEDIDAS” que estranhamente nos pareceram sempre fazer parte desse tal racional da flexibilidade curricular e da diferenciação pedagógico. Estranhamente por isso sempre as abordei enquanto “MEDIDAS” demasiado fragmentadas e fragmentadoras do currículo. Negando elas próprias o tal sentido de flexibilidade e diferenciação. Estranhamente por isso sempre as abordei enquanto “MEDIDAS”, prescritivas e pré formatadas, fechadas sobre si próprias e vaticinando acções e percursos e recursos que se esgotam também em si mesmo.
Chegado aqui talvez interessasse aprofundar/aprender o que teoricamente se entende por flexibilidade curricular e diferenciação pedagógica e quais as implicações desses princípios teóricos na acção de cada professor e nas dinâmicas de cada turma, de cada escola.
Chegado aqui talvez interessasse interrogar-me não só da incongruência da redução e fragmentação de todo um racional teórico e de acção complexo e multidimensional a “MEDIDAS”, mas também do entendimento que “os tais uns e outros” de cada um dos lados da “trincheira” entendem verdadeiramente por flexibilidade curricular e diferenciação pedagógica.
Chegado aqui talvez interessasse perguntar e agora professores? Chegado aqui talvez interessasse perguntar e como professores? Chegado aqui talvez interessasse perguntar e agora alunos? Chegado aqui talvez interessasse perguntar e como alunos? Chegado aqui talvez interessasse perguntar e agora encarregados de educação? Chegado aqui talvez interessasse perguntar e como encarregados de educação?
Aqui e agora e pelos vistos por mais tempo, ainda, o mistério tenderá a perpetuar-se. Aqui e agora e pelos vistos por mais tempo, ainda, continuarei (só eu?) a olhar para as duas trincheiras, eivadas de adesões repentinas e adesivas e também com cada vez mais silêncios.
Eu também gostava que tudo corresse bem.
Mas creio que, infelizmente, o mistério tenderá a adensar-se.
Aqui e agora impõe-se a tal questão: Afinal a mudança acontece num movimento de “dentro para fora” ou pelo contrário de “fora para dentro”? Ou haverá outros sentidos desta movimentação onde os movimentos de “dentro para fora e vice-versa” se conseguem (re)inventar num espaço de encontro para bem da educação?
Afinal há já quem diga que afinal a lei(s) não tem assim tanta importância. Sim, talvez não. Mas então qual/quais o(s) sentido(s) de tanto(s) interesse(s). Mistérios tendencial e bipolarmente muito ruidosos e muito silenciosos.
HARMONIZEM, tenho pedido ultimamente.
Mas será que ainda é possível discriminar INFORMAÇÃO para HARMONIZAR, após tanta acção e informação selectiva e ESTRANHAMENTE acrítica e para a não critica?
Joaquim Colôa
26/07/2017